Sérgio Cruz Lima
Mahler - o Beethoven do século 20
Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense
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Domingo de sol. Céu azul. O outono bate à porta. Após uma temporada em Jurerê, retorno para casa. Ligo o DVD. Gustav Mahler, o “Beethoven do século 20” ou “o talento atormentado”, como o qualifica o filósofo Theodor Adorno, é o compositor escolhido. E os primeiros acordes da Quinta Sinfonia invadem o ambiente, quando o trompete anuncia o primeiro tema do movimento, logo seguido de um majestoso tutti, quando todos os elementos da orquestra entram em ação.
Mahler escreveu os dois primeiros movimentos desta sinfonia durante o verão de 1901; os outros três, um ano depois, em Maiernigg, na Áustria. Em um texto revelador, o compositor louva as benesses da maturidade: “Antes adorava ornar minhas composições com minúcias incomuns e fazer com que suas formas externas fossem completamente despidas de convencionalismo, tal como o jovem se deleita em usar roupas vistosas. Com o correr dos anos, passei a me sentir feliz por ser uma pessoa comum e não dar na vista, na medida em que o que está dentro de mim me aparta dos outros. É por isso que hoje me satisfaço quando posso verter minha música nos moldes usuais e evitar todas as inovações, a menos que sejam absolutamente indispensáveis”.
Integrada por cinco movimentos, como disse, eles são agrupados em três partes: a primeira compõe-se da Marcha Fúnebre, iniciada por um trompete solo e seguida por um período “tempestuoso e comovido”, que o autor assevera “Stürmisch bewegt”; a segunda é o scherzo, o movimento mais longo, e talvez o mais belo da sinfonia, e que nos remete aos ländler e às valsas vienenses; por fim, o finale engloba o célebre adagietto e o rondó allegro giocoso, anunciado por uma nota longa na trompa seguido de outra nas cordas. Na quinta sinfonia pululam ainda as autocitações, pinçadas de outras canções do autor. A Marcha Fúnebre remete à canção do ciclo Winterborn e dos Kindertotenlieder: “Salve a luz que embeleza o mundo inteiro”; o Adagietto para harpa e cordas virou trilha sonora do filme Morte em Veneza, já o toque da trompa nos desperta da atmosfera onírica e nos joga em uma canção satírica - Lob des Hoben Verstandes -, que reproduz um concurso entre um rouxinol e um cuco; ao final, o majestoso rondó retoma, no clímax, o coral ouvido no finalzinho do segundo movimento.
Considerado como um prenúncio de uma nova era da história da música, em que as composições passam a ser atonais, Mahler acredita que “uma sinfonia deve ser como o mundo: abranger tudo”. Basta ouvir qualquer uma delas - e são nove! - para se ter certeza de que ele falava sério. São peças intensas, extensas, majestáticas, prenhes de emoção, um perpétuo desafio para músicos, regentes e orquestras. Sua obra, quero crer, nos coloca em contato com Deus, sem nos fazer esquecer que somos seres imperfeitos, que somos homens. Gustav Mahler morreu em 1910.
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